16 de novembro de 2009

Matuto que só!

No alto, estava Cristo na cruz, e embaixo, Eulália a rezar de olhos no Cristo.
Ajoelhada com as mãos cruzada, quase encostavam a boca, que ia em sussurros pedindo por sua alma, que pecava em pensamento.
O véu branco misturava-se com os cabelos louros enrolados e compridos. Os olhos azuis, ora olhavam para o Cristo, ora fechavam-se numa prece comovente e fervorosa.
O sacristão, Tarso, gostava de ver a moça rezar. E junto dele, estava Matuto, o mulato, criado da igreja, que não via prazer maior do que ver a jovem Eulália rezar.
" Parace um anjo, não parece, sacristão?"
" Quieto Matuto, vai tirara concentração da menina! E além do mais, ponha-se a varrer, não é para teu bico!"
" Só falei que ela parece um anjo, arre!"
" Essa menina é a personificação da beleza e da castidade de Maria!"
" Mas ela vai casar, sacristão!"
" Continuara por ser a beleza e a castidade, mesmo com uma criança no colo. Será como Maria trazendo o Nazareno nos braços!"
" O sinhô fala bunito que só!" Matuto pensou um pouco e tornou " Será que se eu falasse bonito que nem o sinhô, sacristão, e se eu fosse branco ela olharia pra mim?"
" Se fosse sacristão, certamente que não!"
Matuto, esperto que só entendeu o comentário do sacristão. Havia dentro do jovem aprendiz de santidade um amor reprimido pela menina Eulália. Amor reprimido pela própria vergonha, pelo medo e pela igreja.
" Estudamos juntos, eu e Eulália. Éramos bons amigos. Hoje ela me cumprimenta com o sorriso de sempre. Fico feliz que vá se casar. Espero ensinar catequese aos filhos que ela terá!"
" Ô sinhô sacristão tá enganado que só, sabe não? A menina Eulália vai se casar e vai embora pra capitar! O noivo dela é homem curto e inteligente, ouvi dize inté que vão embora pras Europia!"
O sacristão engoliu uma lágrima a seco e retrucou agressivo.
" Muito bonito, pecando na casa de Deus! Ouvindo conversa alheia e fazendo fofoca! Vais pro inferno, Matuto!"
" Pior é o sinhô, que tá se negando quando diz que quer ser padre, tá na vossa cara o amor que o sinhô sente pela menina Eulália, devia é larga a batina enquanto o sinhô não tem batina, entende?"
" Vai te catar, Matuto!"
O sacristão saiu bufando e pisando forte.
Enquanto Matuto viu a menina suspirar no seu último Pai Nosso.
" Livrai-me de Todo o mal, amém!"
Levantou-se, guardou o véu na bolsinha mimosa, e foi saindo.
" Dia sinházinha Eulália!"
" Bom dia Matuto, como está?"
" Bem que só! A senhora ora bunito por demais, parece até a personificação da beleza e da castidade de Maria Santíssima!"
A menina sorriu.
" Você andou estudando Matuto?"
" Estudo todas as noite, sim senhora!"
" Muito bem! Aprenda a dirigir que quando eu voltar da lua de mel, levo-te para São Paulo comigo! Bom dia para você Matuto!"
" Bom dia, sinházinha!"
E Matuto riu-se. Agora era "curto" e estudava!
Pudera, tinha que ser apelidado de Matuto mesmo! Matuto que só!

Um comentário:

  1. Gabi, Gabi, Gabi, o que te dizer menina marota, em cada texto um palavrear novo, mas no fundinho sempre uma personalidade muito própria... nunca se distancie da escrita, por favor, creio que ainda surpreenderá muito..bjks

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